O Decreto-Lei 273/2003, de 29 de outubro, constitui um dos pilares fundamentais da legislação portuguesa em matéria de segurança e saúde no trabalho para o setor da construção civil. Este diploma estabelece regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover condições de trabalho seguras em estaleiros temporários ou móveis, sendo essencial para todos os profissionais e empresas que atuam neste setor em Portugal.
O Que é o DL 273/2003?
O Decreto-Lei 273/2003, de 29 de outubro, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 92/57/CEE do Conselho, de 24 de junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde a aplicar em estaleiros temporários ou móveis. Este diploma veio substituir o anterior Decreto-Lei n.º 155/95, introduzindo melhorias significativas no regime jurídico da segurança nos estaleiros.
O principal objetivo deste diploma é a redução dos riscos profissionais nos setores com maior sinistralidade laboral, nomeadamente a construção civil e obras públicas, onde ocorrem frequentemente acidentes graves e mortais, provocados por quedas em altura, esmagamentos e soterramentos.
Âmbito de Aplicação
O DL 273/2003 aplica-se a estaleiros temporários ou móveis, ou seja, a qualquer local onde se efetuem trabalhos de construção civil ou engenharia civil. Isto inclui:
- Construção de edifícios
- Obras de engenharia civil (pontes, estradas, etc.)
- Demolições
- Reparação e manutenção de estruturas
- Montagem e desmontagem de instalações técnicas e equipamentos
Para efeitos deste diploma, consideram-se trabalhos de construção todos aqueles que se encontram no domínio da engenharia civil, incluindo construção, ampliação, alteração, reparação, restauro, conservação e limpeza de edifícios, bem como montagem e desmontagem de instalações técnicas e equipamentos diversos.
Principais Intervenientes e Suas Responsabilidades
Dono da Obra
O dono da obra é a pessoa singular ou coletiva por conta da qual a obra é realizada, ou seja, o cliente final. As suas principais responsabilidades incluem:
- Nomear os coordenadores de segurança para as fases de projeto e de obra
- Elaborar ou mandar elaborar o Plano de Segurança e Saúde (PSS) em fase de projeto
- Assegurar que seja elaborada a Compilação Técnica da obra
- Comunicar previamente a abertura do estaleiro à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho)
- Impedir que a entidade executante inicie a implantação do estaleiro sem que esteja preparado o PSS para a fase de execução da obra
- Transmitir a declaração de nomeação dos coordenadores de segurança aos representantes dos trabalhadores
É importante salientar que a nomeação dos coordenadores de segurança não exonera o dono da obra das responsabilidades que lhe cabem em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Coordenador de Segurança em Projeto
O coordenador de segurança em fase de projeto é nomeado pelo dono da obra quando o projeto é elaborado por mais do que uma entidade. Este profissional tem como funções principais:
- Assegurar que os princípios gerais de prevenção sejam considerados nas opções arquitetónicas e técnicas
- Elaborar o Plano de Segurança e Saúde (PSS) em fase de projeto ou validá-lo tecnicamente quando elaborado por terceiros
- Iniciar a organização da compilação técnica da obra
- Colaborar com o dono da obra na preparação do processo de negociação da empreitada e outros atos preparatórios
Coordenador de Segurança em Obra
O coordenador de segurança em fase de obra é nomeado pelo dono da obra para executar, durante a realização da obra, as tarefas de coordenação em matéria de segurança e saúde. As suas funções incluem:
- Validar tecnicamente o desenvolvimento e as eventuais alterações do PSS para a fase de execução da obra
- Coordenar as atividades das entidades executantes para que seja assegurado o cumprimento do PSS
- Promover e verificar o cumprimento do PSS por parte de todos os intervenientes
- Coordenar o controlo da correta aplicação dos métodos de trabalho
- Registar as atividades de coordenação em matéria de segurança e saúde no livro de obra
- Analisar as causas de acidentes graves que ocorram no estaleiro
- Integrar na compilação técnica os elementos resultantes da execução da obra
Esta função é crucial, pois a coordenação e o acompanhamento das atividades da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes são determinantes para a prevenção dos riscos profissionais na construção.
Entidade Executante
A entidade executante é a pessoa singular ou coletiva que executa a totalidade ou parte da obra, mediante contrato com o dono da obra. Normalmente é o empreiteiro geral ou o construtor. As suas responsabilidades incluem:
- Desenvolver e especificar o PSS para a execução da obra
- Aplicar o PSS e as disposições legais relativas à segurança no trabalho
- Assegurar que os subempreiteiros e trabalhadores independentes cumprem o PSS
- Fornecer aos trabalhadores as informações e a formação necessárias
- Coordenar as atividades dos subempreiteiros e trabalhadores independentes
Plano de Segurança e Saúde (PSS)
O Plano de Segurança e Saúde é um dos instrumentos fundamentais no DL 273/2003. Trata-se de um documento de referência que estabelece as regras a aplicar no estaleiro em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Quando é Obrigatório o PSS?
O PSS é obrigatório em:
- Obras sujeitas a projeto e que envolvam riscos especiais (listados no artigo 7.º do DL 273/2003), como riscos de queda em altura, soterramento, afundamento, exposição a agentes químicos ou biológicos, etc.
- Obras sujeitas a comunicação prévia à ACT, ou seja, quando:
- A execução da obra envolva uma estimativa de duração superior a 30 dias úteis e, em qualquer momento, a utilização simultânea de mais de 20 trabalhadores
- O total de horas de trabalho prestado por todos os trabalhadores da obra seja superior a 500
Fases do PSS
O PSS desenvolve-se em duas fases principais:
1. PSS em Fase de Projeto
Este documento é elaborado durante a elaboração do projeto e deve incluir:
- Identificação da obra e dos intervenientes
- Descrição dos trabalhos incluídos no projeto
- Riscos evidenciados e medidas preventivas
- Cronograma dos trabalhos
- Condicionalismos existentes no local
- Procedimentos de emergência
2. PSS em Fase de Execução
Desenvolvido pela entidade executante, este documento complementa o PSS em fase de projeto para a execução da obra, incluindo:
- Organização do estaleiro
- Procedimentos específicos de trabalho
- Medidas de proteção coletiva e individual
- Planos de monitorização e prevenção
- Regras específicas aplicáveis aos subempreiteiros
O PSS para a execução da obra deve ser validado tecnicamente pelo coordenador de segurança em obra e aprovado pelo dono da obra para que a execução da obra possa começar.
Comunicação Prévia
A Comunicação Prévia é um documento formal que deve ser enviado à ACT antes do início dos trabalhos em determinadas obras. Esta comunicação é obrigatória quando:
- A execução da obra envolva uma estimativa de duração superior a 30 dias úteis e, em qualquer momento, a utilização simultânea de mais de 20 trabalhadores; ou
- O total de horas de trabalho prestado por todos os trabalhadores da obra seja superior a 500
A comunicação prévia deve ser datada, assinada e conter:
- Endereço completo do estaleiro
- Natureza da obra e a sua caracterização sumária
- Identificação do dono da obra e dos coordenadores de segurança
- Identificação do autor do projeto, da entidade executante e do diretor técnico da empreitada
- Datas previstas para início e termo dos trabalhos
- Estimativa do número máximo de trabalhadores por conta de outrem e independentes
- Identificação dos subempreiteiros já selecionados
Esta comunicação deve ser atualizada sempre que existam alterações dos elementos nela constantes e afixada no estaleiro em local bem visível.
Compilação Técnica
A Compilação Técnica é um conjunto de elementos técnicos que devem ser tomados em consideração nas intervenções posteriores à conclusão da obra. Esta compilação é iniciada pelo coordenador de segurança em projeto e complementada pelo coordenador de segurança em obra.
A compilação técnica deve incluir:
- Identificação completa do dono da obra, do autor ou autores do projeto, dos coordenadores de segurança, da entidade executante e dos subempreiteiros
- Informações técnicas relativas ao projeto
- Informações sobre os equipamentos e materiais utilizados
- Elementos úteis para a planificação da segurança e saúde na realização de trabalhos futuros
Este documento é essencial para garantir a segurança nas intervenções posteriores à conclusão da obra (manutenções, reparações, etc.), pois fornece informações sobre os riscos potenciais e os procedimentos de segurança a adotar.
Riscos Especiais
O DL 273/2003 identifica, no seu artigo 7.º, os trabalhos que envolvem riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores:
- Riscos de soterramento, afundamento ou queda em altura
- Riscos químicos ou biológicos que possam causar doenças profissionais
- Trabalhos com radiações ionizantes
- Trabalhos na proximidade de linhas elétricas de média e alta tensão
- Trabalhos em poços, túneis, galerias ou caixões de ar comprimido
- Trabalhos com utilização de explosivos
- Trabalhos de montagem e desmontagem de elementos prefabricados pesados
- Trabalhos com risco de afogamento
- Trabalhos em mergulho com equipamento
- Trabalhos em ambientes hiperbáricos
A presença destes riscos implica a obrigatoriedade de elaboração do PSS mesmo em obras de pequena dimensão.
Fiscalização e Sanções
A fiscalização do cumprimento do DL 273/2003 compete à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que pode realizar visitas aos estaleiros e verificar a documentação exigida.
O não cumprimento das disposições deste diploma constitui contraordenação, sendo as coimas determinadas em função da gravidade da infração, da culpa do infrator e da sua dimensão económica.
As infrações mais graves, nomeadamente a falta de nomeação dos coordenadores de segurança, a inexistência de PSS quando obrigatório, ou o início da obra sem aprovação do PSS, podem ser punidas com coimas significativas, além da possibilidade de aplicação de sanções acessórias como a interdição do exercício de atividade.
Importância e Benefícios do Cumprimento do DL 273/2003
O cumprimento rigoroso das disposições do DL 273/2003 traz diversos benefícios para todos os intervenientes no processo construtivo:
- Redução dos acidentes de trabalho e doenças profissionais
- Diminuição dos custos associados a acidentes (indemnizações, paragens de obra, perda de produtividade)
- Melhoria da imagem das empresas perante clientes e trabalhadores
- Aumento da eficiência e da qualidade do trabalho
- Cumprimento das obrigações legais, evitando sanções e coimas
A implementação eficaz das medidas de segurança previstas neste diploma contribui significativamente para a redução da sinistralidade no setor da construção, que continua a ser um dos mais perigosos em termos de acidentes de trabalho em Portugal.
Perguntas Frequentes sobre o DL 273/2003
Quem pode ser nomeado como coordenador de segurança?
O DL 273/2003 não estabelece requisitos específicos para a nomeação de coordenadores de segurança, referindo apenas que devem ter formação técnica adequada e experiência profissional relevante. Na prática, esta função é normalmente desempenhada por engenheiros civis, engenheiros técnicos, arquitetos ou técnicos superiores de segurança no trabalho com formação complementar em coordenação de segurança.
É obrigatório ter coordenadores de segurança diferentes para as fases de projeto e obra?
Não. O mesmo profissional pode acumular as funções de coordenador de segurança em projeto e em obra, desde que tenha competências para ambas as funções.
Quando é que o PSS deve estar aprovado?
O PSS para a execução da obra deve estar aprovado antes do início da implantação do estaleiro. De facto, o dono da obra deve impedir que a entidade executante inicie a implantação do estaleiro sem que esteja preparado o PSS para a fase de execução da obra.
Que documentos são obrigatórios afixar no estaleiro?
No estaleiro devem estar afixados, pelo menos:
- A cópia da comunicação prévia
- A identificação dos coordenadores de segurança
- Os contactos de emergência
Quem é responsável em caso de acidente?
Embora a nomeação dos coordenadores de segurança seja importante, esta não exonera o dono da obra, o autor do projeto, a entidade executante e o empregador das responsabilidades que lhes cabem em matéria de segurança e saúde no trabalho. Em caso de acidente, a responsabilidade será determinada em função das circunstâncias específicas e do cumprimento das respetivas obrigações por cada um dos intervenientes.
Conclusão
O DL 273/2003 representa um avanço significativo na promoção da segurança e saúde no trabalho em estaleiros de construção em Portugal. Ao estabelecer regras claras sobre as responsabilidades dos diversos intervenientes e ao exigir o planeamento adequado da segurança desde a fase de projeto, este diploma contribui decisivamente para a prevenção de acidentes num dos setores com maior sinistralidade laboral.
Para as empresas e profissionais do setor da construção, o cumprimento rigoroso das disposições deste diploma não deve ser encarado apenas como uma obrigação legal, mas como um investimento na proteção dos trabalhadores e na melhoria da eficiência e qualidade do trabalho.
A prevenção dos riscos profissionais na construção é uma responsabilidade partilhada que requer o empenho de todos os intervenientes, desde o dono da obra até ao último trabalhador. Só assim será possível criar uma verdadeira cultura de segurança que proteja eficazmente a vida e a saúde de todos os que trabalham neste importante setor da economia portuguesa.